sábado, 23 de abril de 2016

Contra o golpe e pela democracia: a luta continua


A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 22 de abril de 2016, debateu e aprovou a seguinte resolução:

1. No dia 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou (367 a favor, 137 contra e 7 abstenções) a admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

2. O processo de impeachment segue agora para análise do Senado. Caso os procedimentos e prazos legais sejam respeitados, por volta de 11 de maio o Senado decidirá, por maioria simples, instalar ou não o processo contra a presidenta Dilma.

3. Em caso de instalação, a presidenta Dilma Rousseff será afastada do cargo, assumindo em seu lugar o vice-presidente. Terá início o julgamento, que será feito pelo Senado no prazo máximo de 180 dias.

4. Em algum momento, o processo será conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. A condenação prevalecerá caso receba o voto favorável de no mínimo 2/3 do Senado.

5. A legislação brasileira prevê a possibilidade de impeachment apenas em caso de “crime de responsabilidade”. Segundo a acusação aceita pela Câmara dos Deputados, o "crime de responsabilidade" que a presidenta Dilma Rousseff teria cometido consiste em... créditos suplementares e pedaladas fiscais.

6. Tal acusação é uma fraude. O Advogado Geral da União já demonstrou, sem ter sido refutado, que não houve crime de responsabilidade. Lembrou, também, que o vice-presidente, a maioria dos atuais governadores e o ex-presidente FHC cometeram os mesmos atos pelos quais a presidenta é acusada.

7. Portanto, a maioria da atual Câmara dos Deputados inventou um pretexto fraudulento para tentar destituir uma presidenta eleita por 54 milhões de votos. A oposição de direita pretende fazer o mesmo no Senado. Caso tenha êxito, o atual vice-presidente ganhará a presidência e o atual presidente da Câmara dos Deputados transformar-se-á em vice-presidente.

8. Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe. No regime político brasileiro, não existe terceiro turno da eleição presidencial. Se o parlamento (usando o impeachment como pretexto) transforma-se em câmara revisora, substituindo quem foi eleito por quem é do gosto da maioria parlamentar, estaremos de volta à República Velha.

9. A Câmara dos Deputados sabe que a presidenta Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime. Tanto é assim, que a maioria dos que votaram a favor do impeachment não se deu ao trabalho de mencionar a existência do crime de responsabilidade.

10. Quase todos os que votaram a favor do impeachment gastaram seus segundos de "fama" acusando a presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores de todo tipo de barbaridade. Acusações que seriam cabíveis (verdadeiras ou não) numa campanha eleitoral, mas não são legítimas nem legais como justificativas ou argumentos de um impeachment.

11. Há inúmeros indícios de que muitos parlamentares votaram a favor do impeachment na expectativa de interromper as investigações em curso sobre eles no âmbito da Operação Lava Jato e/ou devido a gestões empresariais. E há, também, elementos de sobra para o Supremo Tribunal Federal interromper o processo, seja por conta da inépcia da acusação, da condução do processo e do conteúdo da maioria dos votos. Mas até agora a maioria dos ministros togados preferiu não agir em defesa da Constituição.

12. Na ausência de crime de responsabilidade, impeachment é um golpe contra a soberania popular. Um golpe parlamentar, em que a maioria do parlamento usurpa um direito que é da maioria da população: o de escolher quem preside o país.

13. Por ser um golpe parlamentar, não é um golpe menos perigoso, como pode constatar quem acompanhou as declarações de voto de mais de três centenas de parlamentares.

14. A votação ocorrida na Câmara dos Deputados, especialmente a justificativa de cada voto, foi uma autópsia ao vivo e em cores do sistema político brasileiro.

15. Os que votaram contra o impeachment justificaram seu voto com dois argumentos: a defesa da democracia e a defesa da classe trabalhadora. Lançaram mão, portanto, de argumentos de natureza pública.

16. Já os que votaram a favor do impeachment usaram e abusaram de referências a Deus, a suas famílias, bem como ao desejo de destruir a esquerda. Lançaram mão, portanto, de argumentos fundamentalistas, patrimonialistas, machistas, homofóbicos, fascistas, apologistas da tortura e da ditadura. O comportamento da maioria dos parlamentares foi repulsivo, constrangendo todo aquele que tiver o mínimo sentido de dignidade humana.

17. Ficou explícito o confronto entre duas visões de mundo, duas concepções de Brasil e duas formas diferentes de conceber a política e a representação popular.

18. Uma delas foi vitoriosa nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014. A outra foi vitoriosa no plenário da Câmara dos Deputados, tendo como símbolo o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alguém que vários parlamentares corajosos, homens e mulheres, não tiveram dúvida em chamar de gangster. Junto de Cunha e Temer estão a Globo e o oligopólio midiático, o PSDB e o grande capital, a direita institucional e a direita fascista, as igrejas conservadoras e fortes interesses internacionais.

19. A decisão majoritária da Câmara dos Deputados é extremamente nociva para as liberdades democráticas, para os direitos sociais da imensa maioria do povo brasileiro, especialmente para a classe trabalhadora. Por isto estamos convocados a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para reverter o resultado na próxima etapa do processo: o Senado.

20. Como fazer isto foi o principal tema debatido, desde o dia 18 de abril, por cada pessoa e organização envolvida na resistência contra o golpe. As análises e resoluções resultantes devem ser estudadas com atenção pela militância, com destaque para os documentos divulgados pela Frente Brasil Popular, pelo Partido dos Trabalhadores, pela CUT, pelo MST, pela Marcha das Mulheres e pela UNE.

A dimensão estratégica da contraofensiva conservadora

21. A votação de 17 de abril e a batalha no Senado fazem parte de uma contraofensiva conservadora iniciada em 2011, com ramificações internacionais e que já obteve importantes vitórias na América Latina e Caribe, especialmente na Argentina e Venezuela. Fica cada vez mais evidente a participação do imperialismo, inclusive no fornecimento de informações aos condutores da Operação Lava Jato.

22. Esta contraofensiva possui três objetivos: 1) realinhamento com os Estados Unidos, afastando-nos dos Brics e da integração regional; 2) redução do salário e da renda dos setores populares, diminuindo as verbas das políticas sociais, alterando a legislação trabalhista, reduzindo direitos, não reajustando salários e pensões, provocando desemprego e arrocho; 3)diminuição das liberdades democráticas, criminalizando a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizando a justiça, ampliando o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinando o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas.

23. Sob comando do grande capital e tendo como tropa de choque os setores médios tradicionais, fazem parte desta operação a direita tradicional e a direita fascista, o oligopólio da mídia e setores do aparato de Estado, especialmente na Justiça Federal, Ministério Público e Polícia Federal.

24. Desde 2011, estes setores implementaram duas táticas que se combinavam e alimentavam mutuamente. A primeira delas consistia em derrotar o Lula, o PT e o governo Dilma, empurrando este último a abandonar o programa vitorioso nas eleições de 2014, provocando recessão e descontentamento popular, divisão e desgaste na esquerda, conduzindo-nos assim para uma derrota nas eleições de 2016 e 2018. A outra tática residia em destruir Lula, o PT e o governo Dilma, através da Operação Lava Jato, de uma brutal campanha midiática e de medidas visando antecipar o fim do governo, via processo no Tribunal Superior Eleitoral ou através de impeachment no Parlamento.

25. A votação na Câmara dos Deputados é a prova de que os diferentes setores da oposição de direita unificaram-se em torno desta segunda tática, empurrando o país para uma crise política e institucional similar a que caracterizou o período 1954-1964.

26. Ainda que setores da direita tenham apostado no golpe do impeachment exclusivamente por oportunismo tático e sem necessariamente tirar daí conclusões estratégicas, o fenômeno de conjunto abala os parâmetros dentro dos quais o país vem movendo-se desde a Constituição de 1988.

27. Derrotados em quatro eleições presidenciais seguidas, segmentos crescentes da direita chegaram a conclusão de que a esquerda não pode governar, não pode disputar eleições com chance de vitória, não pode sequer existir.

28. Vitoriosa em quatro eleições presidenciais seguidas, segmentos crescentes da esquerda reagem à contraofensiva conservadora reafirmando seu compromisso com as liberdades democráticas.

29. Ou seja: enquanto a direita radicaliza no discurso e na prática antidemocrática, a esquerda reafirma seu compromisso com a legalidade e a institucionalidade, com amplos setores afirmando sua defesa do “Estado de direito” e da “democracia como valor universal”, sem falar naqueles que seguem acreditando nos “objetivos republicanos” da Operação Lava Jato.

30. Acontece que não basta que a esquerda tenha disposição democrática. O “jogo democrático” exige pelo menos dois participantes. Aliás, para que a democracia fosse realmente um “valor universal”, seria necessário que a classe dominante tivesse algo mais do que um compromisso formal, episódico e circunstancial com ela.

31. A medida que a oposição de direita usa a institucionalidade contra a democracia, a esquerda precisa defender as liberdades democráticas agindo contra as instituições golpistas. O que torna necessário introduzir imediatamente alterações na estratégia adotada desde 1995 e aprofundada a partir de 2003.

32. Isto não é algo para ser feito depois de derrotarmos o golpismo. Se quisermos enfrentar exitosamente o golpismo de direita e um cada vez mais provável governo golpista, é preciso abandonar a estratégia baseada na conciliação de classes e na superestimação da luta institucional.

33. Esta mudança na estratégia da esquerda brasileira já está em curso. Sinais disso são, desde o início de 2015, a ênfase na mobilização social, a retomada da disputa cultural e a construção de unidade de ação, inclusive com setores da esquerda que não apoiam o governo Dilma Rousseff. Outro sinal de mudança na estratégia ocorreu quando, chantageados por Eduardo Cunha em dezembro de 2015, recusamos a chantagem. Mas há sinais contrários, também. Após as grandes mobilizações de outubro de 2014, dezembro de 2015 e março de 2016, o governo adotou, insistiu e aprofundou uma opção conservadora, que tem entre seus exemplos a Lei Anti-Terrorismo, o ajuste fiscal recessivo e o PLP 257.

34. Mas para enfrentar o golpismo opositor ou governista, para recuperar a iniciativa e retomar o rumo das mudanças, é preciso que esta mudança de estratégia seja feita por completo, de forma organizada e consciente.

35. Não se trata, portanto, de duas tarefas estanques e sucessivas: uma tática adequada para combater o golpismo deve estar combinada com uma estratégia que combine o institucional com a luta social e cultural, à serviço de um programa democrático-popular e socialista.

36. O momento mais adequado para fazer esta alteração na tática e na estratégia teria sido por volta de 2010, quando a correlação de forças era a mais favorável. Mas os êxitos aparentes ou reais obtidos naquela época levaram a maior parte da esquerda a apostar na continuidade de uma estratégia que, como dissemos já naquela época, entrara na fase de retornos decrescentes. Não apenas apostou-se na continuidade da estratégia, como se radicalizou na tática de conciliação, desta vez trazendo para a nossa chapa o vice golpista, implementando assim a mais desastrada das políticas de aliança: aquela que fortalece os inimigos.

37. Hoje somos obrigados a mudar de estratégia num momento em que a correlação de forças é amplamente desfavorável, com a direita empurrando o país para uma profunda crise econômica, social, institucional e política. Por isto, precisaremos saber combinar radicalidade estratégica com muito realismo tático.

A direita está muito próximo de obter uma vitória estratégica

38. A oposição de direita possui maioria simples no Senado. Portanto, será preciso um enorme esforço para impedir que eles iniciem o processo contra a presidenta Dilma Rousseff.

39. Instalado na presidência, o golpista Temer usará todos os meios para condenar a presidenta Dilma Rousseff, interditar o PT e Lula, investigar e constranger todos aqueles que fazem parte do movimento contra o golpe, vencer as eleições 2016, impedir a esquerda de disputar e de vencer as eleições 2018.

40. Não se trata apenas de Dilma, Lula e o PT. Não é apenas a esquerda que está em questão. Corre risco o conjunto das forças democráticas e progressistas, os direitos sociais e trabalhistas expressos na CLT, as liberdades democráticas e civis garantidas pela Constituição de 1988.

41. É preciso que isto fique absolutamente claro: a direita está muito próximo de obter uma vitória estratégica. Só tendo isto claro, cada militante e cada organização dará o máximo de si.

42. A batalha contra o golpe tem três etapas, cujas datas aproximadas são: 1) até o dia 11 de maio, quando o Senado deve votar se instala ou não o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff; 2) o processo propriamente dito, que pode durar entre alguns dias até seis meses; 3) após o julgamento e até a eleição de 2018.

43. Mesmo que tenhamos êxito em derrotar o impeachment no dia 11 de maio, ou em qualquer dos momentos seguintes, a luta contra o golpismo terá continuidade, pois o golpismo (ou seja, a ruptura com a institucionalidade democrática) resulta da ativação do chip golpista das elites, por ocasião de uma determinada conjuntura internacional e nacional.

44. A partir de 2011, a confluência entre a crise internacional, a dinâmica da economia nacional e as contradições político-sociais acumuladas em duas gestões presidenciais conduziram a um acirramento da luta de classes no país.

45. Esse acirramento assumiu diferentes formas, algumas aparentemente confusas (como as oscilações da política econômica do primeiro mandato de Dilma ou as jornadas de junho de 2013), outras cada vez mais nítidas (como o segundo turno de 2014 e as manifestações pró/contra impeachment).

46. O acirramento da luta de classes é ao mesmo tempo causa e efeito do impasse estratégico em que está metida a sociedade brasileira: o que está em questão é o conjunto da obra, ou seja, a definição do padrão de desenvolvimento que o Brasil vai seguir nos próximos anos e décadas.

47. Neste contexto, para materializar seus propósitos estratégicos a classe dominante precisa golpear profundamente as forças de esquerda, os setores populares, democráticos e progressistas em geral. O impeachment é parte deste movimento, mas não se limita a ele. Inclui também ações judiciais contra as esquerdas políticas e sociais, condução coercitiva e prisão de lideranças, constrangimento midiático e financeiro, combinado a repressão por parte das forças de segurança e paramilitares.

48. Por isto, tanto em caso de vitória quando de derrota na luta contra o impeachment, a tendência seguirá sendo de aprofundamento dos conflitos políticos e sociais. Também por isto é importante derrotar o impeachment: para que o governo possa ser, não um instrumento nas mãos da direita, mas um instrumento nas mãos da esquerda.

49. Como é óbvio, isto supõe que a presidenta Dilma Rousseff compreenda que é preciso desde já mudar de política. O governo precisa tomar medidas imediatas de geração de emprego e recomposição da renda popular, integrar no ministério lideranças combativas, pactuar um programa de curto e médio prazo com a esquerda política e social.

50. Nosso êxito na luta pela democracia depende em grande medida destas mudanças imediatas na política econômica. Mesmo que algumas não tenham impacto imediato, representam uma sinalização política fundamental que amplia a capacidade de diálogo e mobilização popular.

51. Um elenco das medidas emergenciais está na resolução do Diretório Nacional do PT de 26 de fevereiro de 2016, medidas que vão na mesma linha das propostas que fizemos já no 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, há um ano. E a Frente Brasil Popular encaminhou à presidenta da República uma lista de medidas imediatas.

52. Se a presidenta Dilma Rousseff não compreender a necessidade de mudar de política, será praticamente impossível derrotar o golpe. Mas mesmo que ela altere o ministério e mude a política econômica, será preciso um imenso esforço de conscientização e mobilização popular, imenso não apenas devido ao número de pessoas a serem convencidas, mas também devido ao reduzido tempo que temos pela frente.

53. As frentes e organizações engajadas na luta contra o golpe já definiram um calendário de mobilização, que inclui desde pequenas ações autônomas até grandes iniciativas unitárias, entre as quais destacamos o Primeiro de Maio, atividades contra a Rede Golpe de Televisão, o corpo a corpo com os senadores, trancamento de vias, lutas e paralisações em Universidades e empresas, especialmente por ocasião da votação no Senado por volta de 11 de maio.

54. A esquerda deve convidar a classe trabalhadora a refletir sobre a declaração de voto de cada um dos deputados e deputadas, bem como a observar quem ficou de cada lado no circo da sessão de 17 de abril, em que se misturou o cheiro de esgoto cavernícola com a falta de senso de ridículo por parte de grande parte dos “representantes do povo”.

55. Mais do que convencer os senadores, está em jogo convencer a maioria de nossos colegas de trabalho, estudo e moradia e através deles criar um movimento de massas que pressione os senadores a votar contra o golpe. Hoje, a maioria do povo e da classe trabalhadora ainda não está mobilizada em favor do governo; mas é visível que cresce a mobilização e a inquietação com o que pode ocorrer em caso de vitória dos golpistas, especialmente por conta da ameaça de perda de direitos. Na discussão sobre as formas de luta, inclusive a greve geral, nossa política deve levar em conta o estado de ânimo da classe trabalhadora organizada, sempre buscando criar as condições para formas de luta cada vez mais massivas e radicalizadas.

56. Outro bom argumento no corpo-a-corpo com os senadores será o tratamento que concederemos aos deputados e deputadas. Não haverá paz nem respeito para com os parlamentares cúmplices ou patrocinadores do golpe. Cunha e Temer devem receber atenção especial, pela sua condição de cabeças da vilania. Não haverá paz nem respeito frente a uma quadrilha de picaretas, que de público fala contra a corrupção, mas conspira para arquivar todas as investigações contra seus crimes.

57. Um terceiro argumento é a defesa da legalidade. Reafirmamos que não haverá paz nem respeito frente a um governo ilegítimo, resultante de um golpe parlamentar conduzido por um corrupto, encabeçado por um conspirador que pretende sepultar os direitos sociais inscritos na Constituição de 1988.

58. É com este espírito que criticamos, discordamos e pedimos a retirada de propostas que vão na linha de eleições gerais, referendo revocatório e antecipação das eleições presidenciais. Aliás, propostas deste tipo nunca deveriam ter sido adotadas unilateralmente por senadores, lideranças partidárias e integrantes do governo. Como se vê, continuam existindo entre nós certos hábitos que precisam ser superados.

59. Claro que eleições gerais, referendo revocatório e antecipação das eleições presidenciais parecem soluções mais democráticas do que um impeachment que resulte num governo golpista. Mas neste momento, qualquer uma destas propostas implica em questionar a legalidade e a legitimidade de uma presidenta eleita por 54 milhões de votos, introduzindo entre nós uma estranha variante de parlamentarismo, em que um governo pode ser derrubado por uma coalizão espúria entre o poder econômico, o oligopólio da mídia, setores da burocracia estatal e uma maioria corrupta no parlamento.

60. Mesmo motivadas pelo desejo de viabilizar uma saída democrática, que proteja a soberania popular, o resultado prático destas propostas hoje seria jogar água no moinho de uma saída antidemocrática. O governo e as forças que o defendem não podem adotar argumentos que no fundo questionam sua legalidade e legitimidade; nem podemos considerar “democráticas” eleições que ocorram num ambiente de efetiva “exceção”. Por tudo isto, não consideramos que estejamos num momento adequado para adotar propostas deste tipo. A situação se altera caso o golpe tenha sucesso, momento em que caberá avaliar qual deve ser nossa tática durante o processo, num período marcado pelas Olimpíadas e pelas eleições municipais. Desde já podemos dizer que faremos de tudo para impedir que o governo golpista cumpra o mandato para o qual ele não foi eleito. Neste contexto, será imperativo defender que se devolva ao povo uma decisão que só ele tem legitimidade para adotar. Há várias formas de fazê-lo, entre as quais a convocação de uma Assembleia Constituinte que faça uma reforma política, a eleição de um novo Congresso Nacional e do presidente da República.

61. Hoje, entretanto, é hora de concentrar energias para lutar contra um golpe que ainda não se consumou. Para isso devemos levar em devida conta as diferenças e problemas existentes entre os golpistas:

a) a batalha pela opinião pública e pelas ruas deixou de ser um passeio para a oposição;

b) a capacidade de mobilização da esquerda é maior do que eles pensavam e dificultará a governabilidade dos golpistas;

c) um governo encabeçado por Temer e Cunha tem um DNA corrupto e corruptor, ajudando a desmascarar a hipocrisia do argumento utilizado contra o PT;

d) não haverá como esconder que um governo resultante de um golpe parlamentar significa um retrocesso para um país que há muitos anos elege diretamente seu presidente;

e) para agradar seus financiadores, um governo Temer-Cunha terá que, com maior ou menor celeridade, aprofundar a recessão e avançar sobre os direitos sociais, o que vai gerar resistência popular e impactos eleitorais;

f) não há unidade, nas oposições de direita, acerca da tática e da candidatura presidencial em 2018, ao tempo em que Lula persiste como forte referência do campo democrático, popular e progressista.

62. Não devemos minimizar nem superestimar os problemas e contradições existentes na oposição de direita. Como já foi dito, apesar do crescimento da mobilização popular, a maioria do povo e da classe trabalhadora ainda não está engajada em defesa da democracia, o que ajuda os golpistas. Por outro lado, o crescimento do desemprego poderá ser utilizado, pelo Capital e por um cada vez mais provável governo Temer, para chantagear a classe trabalhadora, seja no sentido de derrubar os princípios da CLT (colocando o negociado acima do legislado e generalizando a terceirização), seja no sentido de fazer a reforma da previdência. Além disso, o imperialismo e o grande capital tem tanto interesse em liquidar a esquerda, que não devemos subestimar sua capacidade de manobra.

63. Portanto, embora os golpistas estejam comprometidos com um pacote de maldades, isto não quer dizer que haverá necessariamente uma reação à altura por parte dos setores populares, até porque um governo golpista poderá tentar imputar suas maldades à suposta herança maldita que teriam recebido dos governos encabeçados pelo PT, contando para isto com a barragem publicitária do oligopólio da mídia.

64. No dia 17 de abril, a luta contra o impeachment sofreu uma grande derrota e a batalha no Senado será muito difícil. Entretanto, por todos os motivos citados, não deve ser tratada por nós como se fosse uma batalha perdida. E mesmo que assim fosse, ainda assim seria preciso lutar “casa-a-casa” contra os golpistas, pois quanto maior for nossa resistência agora, mais fácil será a retomada posterior.

65. As eleições de 2016 devem ser vistas como parte desta luta, motivo pelo qual é fundamental reafirmar que não faremos alianças com os partidos e lideranças golpistas. Mantida a decisão do STF, as eleições municipais de 2016 serão também um momento importante para o PT realizar uma autocrítica na prática da prolongada promiscuidade de amplos setores da esquerda brasileira com o financiamento empresarial privado. Mas precisamos saber que será necessário muto tempo, muita coragem e muita autocrítica para reconstruir nossa credibilidade junto a amplos setores da classe trabalhadora e da esquerda. Um Partido que por decisão majoritária de sua direção nacional abriu suas portas para figuras como o senador Delcídio do Amaral tem muitas contas a prestar.

A unidade popular pode ser o saldo estratégico deste processo

66. Em todo o país e no mundo inteiro, centenas de milhares de militantes foram às ruas para lutar contra o golpismo, numa mobilização ao mesmo tempo linda, potente e generosa, que está constituindo na prática uma ampla frente popular, democrática e progressista.

67. A unidade popular é necessária não apenas para lutar contra o retrocesso, mas para criar as condições para voltar a avançar. Portanto, devemos continuar investindo no trabalho unitário e na mobilização de massas. Até porque é da sua existência que depende a viabilidade da nova estratégia que estamos chamados a construir. Neste sentido, reafirmamos o acerto que foi construir a Frente Brasil Popular, o diálogo com a Frente Povo Sem Medo, o esforço para atrair o PSOL e demais setores da oposição de esquerda. Destacamos, também, a atitude do PCdoB, do PDT e do PCO, entre outras organizações envolvidas com afinco na luta contra o golpismo.

68. Na esquerda brasileira continuarão existindo diferentes análises, programas, estratégias e táticas. Mas isto não constitui um obstáculo intransponível, ou seja, não impede nosso êxito em defender e ampliar os direitos sociais, as liberdades democráticas, a soberania nacional e a integração regional. Nem impede a luta pelo socialismo.

69. Nos marcos desta pluralidade, precisamos da máxima unidade que for possível em torno de uma política acertada. Nos momentos em que o vento está a favor, erros de análise e de política são atropelados pelas mobilizações. Mas nos momentos em que o vento sopra contra, uma análise correta pode fazer muita diferença.

70. Como já dissemos, o ajuste em nossa política não pode se limitar a inflexões táticas. É preciso tirar as devidas conclusões do esforço feito pelo PT e por amplos setores da esquerda, forças democrático-populares e progressistas desde 2003. A esquerda deve pensar suas feridas, avaliar o resultado e decidir os próximos passos, que incluem alterações na estratégia e na tática.

71. Tenhamos ou não êxito nas próximas batalhas contra o golpismo, a esquerda como um todo, especialmente o Partido dos Trabalhadores, precisam encarar de outra forma um conjunto de questões estratégicas, programáticas e organizativas. Não cabe aqui retomar a discussão sobre o acerto ou erro da estratégia adotada desde 1995 e aprofundada desde 2003. Nossa posição a respeito é clara e detalhada em inúmeros documentos.

72. Neste terreno das interpretações, há duas que fracassaram: a da “ultraesquerda” e a dos “ultramoderados”. Embora pareçam antagônicas, na verdade são simétricas, pois ambas acreditavam que o capital, o oligopólio da mídia e a direita seriam tolerantes com a presença do PT no governo federal.

73. Para a ultraesquerda, o PT seria um instrumento da classe dominante. Para os ultramoderados, o PT estaria demonstrando como salvar o capitalismo brasileiro de si mesmo. A vida derrotou ambas as posições. Assim como derrotou a posição dos que desvinculavam a luta pela democracia da luta por mudanças na política econômica. Derrotando, igualmente, os que viam traços “republicanos” na usina farsesca de Curitiba. Os setores majoritários da esquerda brasileira estão convocados a realizar uma análise crítica e autocrítica da experiência iniciada em 2003, das concepções que a orientaram e das atitudes que as caracterizaram, como a conciliação de classes, a superestimação da institucionalidade em detrimento da luta social e cultural, a terceirização das instâncias coletivas em favor de lideranças individuais.

74. Apesar de ter se conciliado com o grande capital, com a direita e com o oligopólio da mídia, o PT continuou sendo um estranho no ninho. As elites nunca apreciaram sua presença no governo, nem as importantes, porém estruturalmente tímidas, políticas que colocamos em prática desde 2003. As elites suportaram o que somos e fizemos, enquanto a relação custo-benefício justificava. Ou seja, até 2010.

75. Para derrotar a ofensiva da direita e retomar o caminho das mudanças, precisamos combinar os movimentos táticos já descritos, com uma reorientação estratégica que nos ajude a evitar – num futuro próximo, quando superarmos a defensiva– cair na mesma situação em que estamos hoje.

76. Até porque as mudanças ocorridas na conjuntura internacional, na conjuntura nacional e principalmente na postura dos capitalistas, dos setores médios e populares não permitirão apenas repetir, atualmente, o que foi feito no segundo mandato de Lula.

77. Concordando ou não com o que foi feito naquele momento, hoje é preciso mais radicalismo. Ou seja, desvencilhar-se da conciliação com o grande capital, com a direita e com o oligopólio da mídia.

78. Num certo sentido, trata-se de retomar uma ideia muito simples que constava na resolução do Encontro do PT realizado em 2001, em Recife: não sairemos do modelo neoliberal sem ruptura. Em 2002, esse conceito foi explicitamente retirado das diretrizes partidárias e agora deve ser reintegrado com honras.

79. A ruptura com o neoliberalismo poderia ter sido feita em 2003 e certamente deveria ter sido feita em 2010, quando a correlação de forças foi a mais favorável destes 14 anos de governo federal petista.

80. Hoje, numa situação muito mais difícil, somos convocados a dobrar a aposta na opção que fizemos diante da crise de 2007-2008: mais investimento público, mais desenvolvimento industrial, mais mercado interno, mais integração regional, mais políticas públicas, mais salário e emprego, mais Estado. Mas não basta repetir o que fizemos naquela época, porque a situação mudou.

81. Só haverá retomada sustentável do crescimento, acompanhada de uma ampliação continuada dos direitos da classe trabalhadora, se forem atendidos cinco pressupostos:

a) quebrar os oligopólios que controlam a economia brasileira, com destaque para o financeiro privado;

b) reconstruir a indústria nacional em todas as suas dimensões, com destaque para a Petrobras (a esse respeito, é preciso derrotar a ação combinada entre setores do governo e da oposição de direita, que está promovendo a retomada da privatização e o fim das políticas de conteúdo nacional e de partilha), a Vale (que deve ser retomada pelo poder público) e para um plano de obras públicas que, por meio da construção civil, gere um efeito positivo em todo o setor industrial (destaque-se o impacto que obras de habitação e saneamento terão sobre epidemias como as causadas pelo Aedes).

c) ampliar e baratear a oferta dos bens que compõem a cesta básica (alimentos, transporte, moradia, saúde, educação etc.), sem o que teremos um desenvolvimentismo conservador. O nosso caminho é outro: elevar o emprego e a renda dos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora.

d) os três pressupostos acima só se materializarão se houver ampliação da intervenção estatal, inclusive em termos de reforma agrária, reforma urbana e políticas universais.

e) também, como é óbvio, se houver uma correlação de forças que sustente as medidas apontadas, o que remete para a democratização da comunicação social, a reforma política e a democratização do Estado (inclusive dos aparatos de justiça e segurança pública).

82. É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda? Não há como saber. Mas sabemos que, em caso de derrota, um preço muito alto será pago pela classe trabalhadora, no Brasil e região. Motivo pelo qual temos o dever de continuar lutando. Sendo importante, para o êxito desta luta, estudar a situação mundial como um todo, em particular a ofensiva da direita em países da região, como Argentina e Venezuela.

83. A direita nos ataca por conta de nossas qualidades. Mas tem êxito nesta operação devido, em boa medida, a nossos defeitos e insuficiências. Os obstáculos são muitos e o tempo é curto. Mesmo assim, ao menos para nós que ajudamos a construir, que valorizamos e que queremos dar continuidade à experiência encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores desde os anos 1980, não existe alternativa justa e boa a não ser lutar, deter a ofensiva da direita, ganhar um tempo para respirar, reorganizar as forças e voltar a avançar.

84. Um momento fundamental desta reorganização de forças, revisão da estratégia e recomposição das direções será a realização ainda em 2016 de um Congresso extraordinário do Partido dos Trabalhadores, composto por delegações eleitas após debate na base partidária. Outro momento decisivo será a realização da segunda Conferência da Frente Brasil Popular. Como afirmamos desde o início de 2015, precisamos de um partido e de uma esquerda para tempos de guerra, com profundas raízes na classe trabalhadora e comprometido com um Brasil democrático-popular e socialista. A isto continuaremos dedicando o melhor das nossas energias.

Campinas, 22 de abril de 2016
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda


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